Yesterday by Iel

sábado, 17 de junho de 2017

O Livro Verde

O livro verde

Hoje vi depois de longos anos aquele livro.
O livro verde que meu pai insistia em me fazer ouvir e ler todas as lições de inglês. Comecei a ver o livro de uma capa dura e verde aos 10 anos após tirar uma nota bem baixa em inglês. Logo inglês, a língua que o meu pai queria tanto que eu aprendesse!
Mas aprendi. Li tantas e tantas vezes que sei de cor, ainda hoje, todos os capítulos
Muitas vezes tive raiva do livro da capa verde:
Ele me furtava de brincadeiras e de momentos alegres na calçada da Almirante Barroso e algumas vezes me impediu de assistir programas favoritos. Meu pai estava ali sempre com o livro verde ao voltar do trabalho.
Era uma espécie de ritual, ele chegava, levava a mamãe para o trabalho em uma escola onde lecionava, depois tomava banho, tomava a sopa e pegava o livro para juntos, eu e ele, ouvirmos e depois lermos.
Quando eu ia dormir, meu pai costumava colocar fones com gravações das aulas do livro para eu continuar ouvindo mesmo após adormecer. Após alguns minutos, acho, ele desligava o gravador.
Não é à toa que sei todas as lições de cor. Também não é de se admirar que eu tenha tido desde pequena facilidade de falar a língua. Aos 13 resolvi ensinar aos coleguinhas do bairro
Aulas de inglês grátis, coloquei orgulhosa na placa do lado de fora de nossa casa. Fiz da garagem nossa sala de aula que tinha boa frequência.
Aos 14 meu pai contratou um professor americano juntamente com outros dois colegas de trabalho e me levava junto para essas aulas. Mesmo assim à noite nos dias que não tinha aula ouvíamos os áudios do livro verde.
Aos 15 tentei ir aos Estados Unidos, passei em uma seleção para intercâmbio mas meus pais não permitiram, tiveram receio de me mandar e eu fiquei aqui frustrada. Afinal, pensei, todo estudo no livro verde de nada serviria.
Aos 16 conheci uma irmã americana que veio ao Brasil e de quem me tornei inseparável. Amava conversar com ela em inglês e praticar com ela o que havia aprendido no livro. Mas em pouco tempo ela só queria falar português. Afinal ela estava no Brasil e queria aprender a língua.
Para ganhar algum dinheiro por aqui ela começou a ensinar em um curso de inglês e dava aulas particulares. Em pouco tempo tinha tantos alunos que passou alguns alunos para mim.
Depois que ela voltou para os EUA eu tinha cada vez mais forte a certeza de que iria morar lá.
Fiz seleção e passei a dar aulas em curso de inglês com o propósito de poupar para a viagem tão sonhada. Juntei dinheiro, casei e viajei pelos Estados Unidos por quase dois meses, fui de norte a sul e de leste a oeste. Mas não era o bastante. Queria morar e vivenciar o que li no livro de capa verde.
Me graduei em economia e após o mestrado resolvi, estimulada mais uma vez pelo meu pai,
que eu deveria fazer doutorado nos Estados Unidos. Tentei Stanford para ficar próximo à minha irmã americana mas consegui Illinois que me havia sido indicada por amigos. Passei quatro longos anos com marido e filhos morando no Estado de Illinois.
E lá recebi, pelo menos três vezes a visita de meus pais. Voltei com o diploma de Ph.D. na mão.
Sempre achei que vencer um desafio significava alcançar a vitória. Não é! Vitória tem um sentido multidimensional.
Em algumas dimensões ganhei mas em outras, as que realmente importam, eu perdi.
Por isso o livro verde é muito importante. Ele me levou a conquistar o que tanto queria e essa conquista fez com que meus filhos conhecessem mais do que seu conteúdo. Mas principalmente, ele me remete a lições que ficaram para sempre tatuadas em minha alma e em meu coração, me remete a um tempo em que o livro da minha vida, verde em esperança, estava apenas nas primeiras páginas.
As páginas fluíram.  Conheci, amores, romances, dramas e tragédias.
Tudo ficou em mim e levo comigo, no meu pensamento, para onde eu for.
Sempre com esperança! A esperança em milagres como o que me foi concedido hoje.
Graças ao Deus do impossível!

2 comentários:

Valéria Andrade disse...

Leitura fácil e gostosa!Vc como sempre, brilhante!

Angel mom disse...

Muitíssimo obrigada Lela!
beijo