O livro verde
Hoje vi depois de longos anos aquele livro.
O livro verde que meu pai insistia em me fazer ouvir e ler todas as
lições de inglês. Comecei a ver o livro de uma capa dura e verde aos 10 anos após
tirar uma nota bem baixa em inglês. Logo inglês, a língua que o meu pai queria
tanto que eu aprendesse!
Mas aprendi. Li tantas e tantas vezes que sei de cor, ainda hoje, todos
os capítulos
Muitas vezes tive raiva do livro da capa verde:
Ele me furtava de brincadeiras e de momentos alegres na calçada da Almirante
Barroso e algumas vezes me impediu de assistir programas favoritos. Meu pai
estava ali sempre com o livro verde ao voltar do trabalho.
Era uma espécie de ritual, ele chegava, levava a mamãe para o trabalho
em uma escola onde lecionava, depois tomava banho, tomava a sopa e pegava o
livro para juntos, eu e ele, ouvirmos e depois lermos.
Quando eu ia dormir, meu pai costumava colocar fones com gravações das
aulas do livro para eu continuar ouvindo mesmo após adormecer. Após alguns
minutos, acho, ele desligava o gravador.
Não é à toa que sei todas as lições de cor. Também não é de se admirar
que eu tenha tido desde pequena facilidade de falar a língua. Aos 13 resolvi
ensinar aos coleguinhas do bairro
Aulas de inglês grátis, coloquei orgulhosa na placa do lado de fora de
nossa casa. Fiz da garagem nossa sala de aula que tinha boa frequência.
Aos 14 meu pai contratou um professor americano juntamente com outros
dois colegas de trabalho e me levava junto para essas aulas. Mesmo assim à
noite nos dias que não tinha aula ouvíamos os áudios do livro verde.
Aos 15 tentei ir aos Estados Unidos, passei em uma seleção para
intercâmbio mas meus pais não permitiram, tiveram receio de me mandar e eu
fiquei aqui frustrada. Afinal, pensei, todo estudo no livro verde de nada serviria.
Aos 16 conheci uma irmã americana que veio ao Brasil e de quem me
tornei inseparável. Amava conversar com ela em inglês e praticar com ela o que
havia aprendido no livro. Mas em pouco tempo ela só queria falar português. Afinal ela estava no
Brasil e queria aprender a língua.
Para ganhar algum dinheiro por aqui ela começou a ensinar em um curso
de inglês e dava aulas particulares. Em pouco tempo tinha tantos alunos que
passou alguns alunos para mim.
Depois que ela voltou para os EUA eu tinha cada vez mais forte a
certeza de que iria morar lá.
Fiz seleção e passei a dar aulas em curso de inglês com o propósito de
poupar para a viagem tão sonhada. Juntei dinheiro, casei e viajei pelos Estados
Unidos por quase dois meses, fui de norte a sul e de leste a oeste. Mas não era
o bastante. Queria morar e vivenciar o que li no livro de capa verde.
Me graduei em economia e após o mestrado resolvi, estimulada mais uma
vez pelo meu pai,
que eu deveria fazer doutorado nos Estados Unidos. Tentei Stanford para
ficar próximo à minha irmã americana mas consegui Illinois que me havia sido
indicada por amigos. Passei quatro longos anos com marido e filhos morando no
Estado de Illinois.
E lá recebi, pelo menos três vezes a visita de meus pais. Voltei com o
diploma de Ph.D. na mão.
Sempre achei que vencer um desafio significava alcançar a vitória. Não
é! Vitória tem um sentido multidimensional.
Em algumas dimensões ganhei mas em outras, as que realmente importam,
eu perdi.
Por isso o livro verde é muito importante. Ele me levou a conquistar o
que tanto queria e essa conquista fez com que meus filhos conhecessem mais do
que seu conteúdo. Mas principalmente, ele me remete a lições que ficaram para
sempre tatuadas em minha alma e em meu coração, me remete a um tempo em que o livro
da minha vida, verde em esperança, estava apenas nas primeiras páginas.
As páginas fluíram. Conheci,
amores, romances, dramas e tragédias.
Tudo ficou em mim e levo comigo, no meu pensamento, para onde eu for.
Sempre com esperança! A esperança em milagres como o que me foi
concedido hoje.
Graças ao Deus do impossível!
2 comentários:
Leitura fácil e gostosa!Vc como sempre, brilhante!
Muitíssimo obrigada Lela!
beijo
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